Crítica | Bailarina
- Lucas Rigaud
- 5 de jun.
- 4 min de leitura
Tiro, porrada, bomba, um pouco de ballet e escassas novidades ilustram primeiro spin off cinematográfico do universo John Wick

O universo expandido da franquia John Wick toma forma com Bailarina (From the World of John Wick: Ballerina), novo longa-metragem de ação neo-noir que segue uma habilidosa e implacável assassina, interpretada por Ana de Armas, que foi treinada nas tradições da organização Ruska Roma e busca por vingança contra aqueles que mataram seu pai e roubaram sua infância. Passado entre os eventos de John Wick: Capítulo 3 – Parabellum e John Wick: Capítulo 4, este novo filme explora o mundo das assassinas de aluguel que agem secretamente.
A forma como os longas da franquia John Wick, que teve sua origem com o filme homônimo (traduzido no Brasil como “De Volta ao Jogo” de 2014, conseguem subverter uma simples premissa de vingança em um excêntrico e altamente estiloso thriller neo-noir repleto de ação e originalidade transforma sua construção imagética em sua maior arma para arrecadar bilheterias. De fato, o formalismo da série John Wick é uma grande façanha cinematográfica recente, capaz de tornar o gênero de ação baseado em vinganças novamente atrativo para público e crítica, graças também à curiosa crença de divindade e assombração criada em cima do personagem interpretado por Keanu Reeves. Endeusado pelos fãs e temido pelos personagens do filme tal como Baba Yaga – apelido dado pelos seus inimigos -, Wick é uma figura emblemática que, assim como a saga que leva seu nome, deu origem a um universo já explorado na TV, com a minissérie The Continental: From the World of John Wick (2023), e agora nos cinemas, com Bailarina (From the World of John Wick: Ballerina), filme este que procura explorar melhor a organização da Ruska Roma, além de trazer uma nova protagonista, Eve Macarro, cheia de espírito, porém desprovida de uma história interessante.

Enquanto John Wick está para Baba Yaga, bruxa do folclore eslavo que também é associada ao Bicho-Papão devido à sua perversidade e pavor que é capaz de causar, Eve Macarro, de Ana de Armas, é constantemente associada à Kikimora, outra personagem do mesmo folclore que, por outro lado, é uma criatura que pode assumir formas frágeis e pequena, que invade seu lar e decide se ela será uma entidade boa ou não, dependendo de como você cuida de sua casa. De fato, a protagonista Eve se torna uma interessante metáfora à assombração russa, ainda mais quando sua jornada de vingança a leva ao lar do Chanceler, antagonista interpretado por Gabriel Byrne, para concluir sua missão auto imposta. A personalidade de Eve conversa mais com a trama do que sua própria história, já que ela é um espelho do comportamento impulsivo e implacável de uma assassina bem treinada que tem nada a perder e que, a cada investida, aprimora seus conhecimentos. É curioso como o roteiro e a direção ousaram explorar uma breve inexperiência da protagonista em seu primeiro combate, mudando suas técnicas de luta a cada encontro com antagonistas.
O roteiro de Shay Hatten, baseado no material original de Derek Kolstad, assim como a direção afiada e sedenta de adrenalina de Len Wiseman, parecem, em determinados momentos, desacreditar no potencial de sua protagonista, a ponto de resumir sua trajetória em uma história de vingança, mesclada a um resgate de uma criança com o intuito de que nada lhe aconteça semelhante à tragédia que lhe aconteceu na infância. A inclusão de John Wick à trama, que não faz a menor diferença, parece mais acontecer por puro desejo egoísta dos fãs que desejam, a todo instante, se deleitar com referências e associações entre os filmes da franquia, além de ser uma desesperada tentativa de atrair esse público que tem sérios problemas com protagonismo feminino em filmes de ação. Claro que é sempre um prazer ver o icônico personagem de Keanu Reeves em ação, mas não era esse o momento, apesar de, felizmente, seu encontro com Eve não resultar em uma simples pancadaria sem sentido que terminaria com frases de efeito questionáveis, já que os diálogos clichês até soam divertidos e convincentes, uma vez que o filme passa a reconhecer sua posição.
Outro grande desperdício de Bailarina está em não aproveitar sem medo as belezas de uma estética, entregue desde o início da produção – uma vez que Eve já possuía certa afinidade com a dança -, que mesclava ballet e violência gráfica, artes da guerra e artes cênicas, tal como a própria Ruska Roma, que está mais para uma organização antagonista do que aliada à protagonista. Anjelica Huston brilha novamente em sua performance enigmática e amedrontadora como a Diretora, mas era esperado ver mais de sua personagem, assim como de toda a ideia presente no clã, o que traria ao longa-metragem recursos formais incontavelmente melhores do que luzes néon e penumbras, não que essas escolhas não venham a funcionar, mas já não se destacam.
Em matéria de cenas de ação, o filme não faz feio, até pelo fato deste ser praticamente movido pela adrenalina desenfreada, o que pode se tornar um pouco sufocante. Efeitos sonoros e fotografia se destacam nessas sequências, sendo a melhor delas, e uma das mais interessantes de toda a franquia, a absurda batalha com lança-chamas, momento este que é o mais criativo e visualmente bem construído de todo o filme.

Com o elenco ainda composto por Norman Reedus, Sharon Duncan-Brewster, Ian McShane, Catalina Sandino Moreno e o saudoso Lance Reddick (falecido em 2023), Bailarina conta com um desafio de manter seus muito personagens interessantes a todo instante, o que consegue realizar em partes, já que alguns coadjuvantes, que mereciam mais destaque, são escanteados e retornam somente após a poeira baixar, como foi o caso do personagem de Reedus, que possuía grande destaque nas ações promocionais do filme, mas é mal utilizado ao longo da trama.
Sendo um bom início para uma expansão cinematográfica do universo John Wick, Bailarina funciona na ação e em nos deixar curiosos para saber mais sobre essa nova história e sua protagonista, cheia de personalidade, porém ainda refém de uma história que não confia em seu grande potencial.
Nota: ⭐⭐⭐
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