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Crítica | Pecadores

Ryan Coogler faz seu próprio "Me and the Devil Blues", de Robert Johnson, como um autêntico terror social com vampiros, repleto de tributos à música composta através da alma e da tradição que clama por liberdade



Diversos folclores ao redor do mundo acreditam na força da música como forma de libertar e unificar o povo. Apesar dessa energia permear no passado, presente e futuro, elas também atraem o mal que está disposto a fazer de tudo para impedir tal liberdade Ambientado no início da década de 1930, Pecadores (Sinners) aproveita intensa e respeitosamente o folclore e música afro-americana da época de lendas, como o músico Robert Johnson e seu possível acordo com a Besta, para embarcar em uma história sobre dançar e lutar contra os verdadeiros demônios que destroem o poder bravio da humanidade, como diria Chico Science


Escrito e dirigido por Ryan Coogler (Pantera Negra), Pecadores acompanha os gêmeos Smoke e Stack (Fumaça e Fuligem), interpretados por Michael B. Jordan, que retornam para a cidade natal, após viverem como gângsters em Chicago, para fundar um clube de Blues para a população negra e trabalhadora nas lavouras de algodão. Para isso, eles precisam contratar o primo mais novo, Sammy (Miles Caton), aspirante a músico que deseja viver do gênero musical, para dar o melhor de sua música para o novo estabelecimento que clama por liberdade, o que acaba atraindo temerosas criaturas que desejam oferecer uma independência baseada em morte e sangue. A partir de um roteiro original repleto de complexidade e temáticas já discutidas em obras cinematográficas com teor social, sendo aqui contadas sob uma visão criativa que mescla o terror ao musical e o western ao drama, Coogler entrega exatamente aquilo que promete, de maneira visceral, artística e altamente compromissada com o projeto.


Imagem: Warner Bros./Reprodução
Imagem: Warner Bros./Reprodução

A música presente em Pecadores é um artifício que carrega todo o peso dramático do longa-metragem, sejam por suas composições originais realizadas com maestria por Ludwig Göransson, ou pelo acervo montado por Ryan Coogler e Göransson que, além de prestar um belo tributo ao Blues, é uma verdadeira ode ao gênero musical que compõe toda a estrutura fílmica do longa, tal como formas e cores complementam uma obra de arte. Com uma lista bem selecionada de clássicos, contando, inclusive, com a ilustre presença do músico Buddy Guy em uma das cenas mais emocionantes do cinema de terror da atualidade, Pecadores ainda reverencia ritmos diversificados, que o conservadorismo artístico outrora tentou silenciar, em um plano sequência intenso, belíssimo e memorável.


A propósito, existe aqui uma bem pensada opção de utilizar planos sequenciais para explorar com minúcia o que se passa ao redor da pequena cidade no Estado do Mississipi onde ocorre a narrativa. A cinematografia, de autoria de Autumn Durald, exalta a paisagem do sul estadunidense em planos abertos, assim como nas cenas de conflito com os vampiros, aproveitando ao máximo a tecnologia IMAX. A diretora de fotografia também acerta ao captar tons de arrebol provenientes do anoitecer e da típica iluminação de clubes de blues, além de utilizar a penumbra da noite como uma grande aliada para intensificar o suspense construído a partir de uma inventividade única e de um esforço notável de Ryan Coogler, que também conduz com sabedoria um elenco extenso que também se entrega totalmente para com a obra. 


É difícil falar de Pecadores sem destacar a versatilidade de Michael B. Jordan ao interpretar gêmeos de personalidades tão distintas. Enquanto Stack/Fuligem é mais mulherengo e esperançoso na carreira de empreendedor, Smoke/Fumaça mantém uma postura preocupada em relação aos negócios e ao seu antigo relacionamento com Anne – interpretada por Wunmi Mosaku que nos prende com um olhar melancólico, porém repleto de paixão, e nos surpreende quando entra em ação contra as criaturas noturnas -. Sammy, o Pastorzinho, vivido por um Miles Caton que solta a potente voz nos momentos certos, assim como expressa toda sua habilidade para o horror nas melhores cenas de tensão, é uma das maiores surpresas do longa, assim como a química do veterano Delroy Lindo com qualquer personagem que o seu icônico Delta Slim contracena. Hailee Steinfield, sempre deslumbrante e comprometida para com sua personagem, protagoniza uma das transformações mais notáveis ao se tornar vampira, conforme o trailer do filme já mostrou. Jack O’Connell é aterradoramente convincente em seu antagonista Remmick, um vampiro com lábia e argumentos que despertam hipóteses no público sobre a verdadeira força demoníaca, proveniente de seitas macabras verídicas e proprietários racistas de terras, que assombra a comunidade. Com exímias performances musiciais, tendo destaque para Jayme Lawson, Pecadores unifica o horror ao musical com qualidade imagética e de argumento. 


Imagem: Warner Bros./Reprodução
Imagem: Warner Bros./Reprodução

Pecadores é uma obra que respira música e cinema. Aqui, Ryan Coogler esbanja de um apaixonado desejo de abordar a liberdade das verdadeiras amarras e demônios, que prendem, aterrorizam e matam, por meio de um terror musical que entrega tudo aquilo que propõe, sem qualquer hesitação em ser o que realmente é com tanto orgulho, mesmo que ainda haja um mal a espreita para impedir o seu sucesso.


NOTA: 10/10


Escrito por: Lucas Rigaud

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